Nas telas de cinema, eles ganham robustez, poderes e até vida própria. Icônicos, sempre remetem a um futuro distante, com carros voadores e todo aquele enredo tradicional de que as máquinas vão substituir os homens. Já em feiras e eventos recentes na Serra, eles ganharam o protagonismo e a atenção do público local com ações delicadas e precisas como servir vinho ou mesmo tocar bateria (!). Uma aproximação que rendeu cliques e vídeos em redes sociais. Mas a verdade é que os robôs fazem parte do presente e estão entre os produtos finalizados por aqui. Sim robôs que saem diretamente da Serra para o Brasil e o mundo. Além de também estarem inseridos no chão de fábrica de muitas indústrias da região. Um mercado que promete promover mais rendimento, qualidade, reduzir custos e atender deficiências de mão de obra qualificada, sem, entretanto, perder o viés humano do processo.
Para além da ação Instagramável que levou robôs bateristas para um evento voltado à indústria da Serra, a robótica é um importante viés de negócio dentro da empresa caxiense Sumig. Inserida em 2008, a divisão emprega cerca de cem pessoas, o que representa em torno de um terço do quadro de funcionários. O diretor de operações robóticas da empresa, Fabio Tiburi, explica que a Sumig é uma empresa integradora — a estrutura das chamadas células robóticas são importadas de países como o Japão e o processo é concluído por aqui. Também há peças, que são inseridas nos robôs, produzidas pela Sumig, sendo 100% nacionais, como é o caso de algumas das tochas para soldagem.
— Significa que pegamos todas as tecnologias disponíveis no mercado para formar uma solução para o cliente. Especificamente, trabalhamos com soldagem, que é o nosso ‘core business’. Entregamos esse equipamento funcionando, pessoas do time do cliente treinadas e depois fazemos o pós-venda — detalha Tiburi.
Os robôs de solda da Sumig são comercializados em nível nacional e internacional, sendo que uma das maiores demandas vem dos Estados Unidos. Segundo Tiburi, é um país que registra um acentuado déficit de mão de obra qualificada para trabalhar com soldagem, por isso, empresas americanas recorrem aos robôs. As linhas robotizadas também são destinadas para outros países como Canadá, México e Argentina. Os robôs soldam em uma espécie de cabine, a partir da programação de um funcionário treinado.
— Poucas pessoas querem trabalhar em fábrica lá. A falta estimada em soldadores nos Estados Unidos é de 450 mil pessoas. Os clientes nos procuram dizendo que precisam produzir mas não têm quem queira ser soldador ou quem queira operar a máquina. Então, eles buscam a robotização.Segundo Tiburi, outro argumento que chega ao setor de robótica da Sumig é sobre a qualidade do que é produzido:
— Os robôs têm vários apelos quando são implementados. Tem clientes que não estão preocupados em produzir mais, mas sim em produzir melhor, com qualidade. Quando é o ser humano (à frente da soldagem), eu vou ter um mais hábil e um menos hábil. Tenho o humor e uma vida pessoal daquele funcionário. Eu posso estar estressado, triste e não fazer igual todos os dias, justamente porque o ser humano não é um robô. O que alguns dos nossos clientes fazem, então, é utilizar o soldador para uma tarefa mais difícil, que teria um custo muito grande para ser robotizada. Afinal, o homem é mais flexível e inteligente — acrescenta o diretor.
Tiburi afirma que a linha robotizada de solda atende a diferentes perfis de clientes, sejam pequenas ou grandes instalações. Ele se recorda de um casal americano que recebeu um pedido de mil toldos para lava-rápido. Contudo, o prazo era de apenas um mês e apenas dois soldadores não dariam conta da demanda a tempo. A solução?
— Eles entraram no nosso site, ligaram para a nossa filial para se certificar se tinha o robô em estoque e foram buscar no dia seguinte, com um cheque. Levaram o robô e conseguiram entregar as mil peças. É um case bacana porque mostra que o nosso público é desde uma empresa de duas pessoas até multinacionais — comenta.
Demanda nacional é o foco
Com matriz em Caxias do Sul e uma unidade em Joinville (SC), o Grupo Alltech tem um setor de robótica destinado a suprir a demanda nacional. Os robôs projetados pela empresa entregam soluções para diversas aplicações industriais, como solda, corte, lixamento, polimento, pintura, manipulação, entre outros.
O head de Indústria 4.0 da empresa, Rafael Simeoni, detalha que há alguns anos a Alltech tinha parceiros para o desenvolvimento das soluções robotizadas, mas, com a evolução do negócio, houve a necessidade de trazer um setor especializado para dentro da empresa. O departamento voltado para a Indústria 4.0 foi instalado há cerca de 18 meses e tem 20 pessoas envolvidas diretamente. Já de olho no futuro e expansão de mercados internacionais, a empresa vem produzindo máquinas que possam ser transportadas em contêineres.
— Todos os objetivos são para aumentar a produtividade do cliente, fazer mais com menos, aumentar a qualidade e a repetitividade dos processos — afirma.
Simeoni diz que o carro-chefe do departamento é a parte de carga e descarga de máquinas, tanto para usinagem, quanto para injeção. Assim como ocorre com a Sumig, a estrutura do robô também é importada — a compra ocorre do Japão, China e Alemanha.
— O robô pode ser usado para várias aplicações. Se eu colocar uma garra para inserto, vai direcionar para isso. Se eu colocar a tocha de solda, vai soldar — explica Simeoni.
Uma das solicitações que chega à empresa caxiense, por parte dos clientes, é sobre reduzir os riscos de acidente de trabalho, a partir do uso das máquinas robotizadas.
— A gente comercializa máquinas de corte a laser e dobradeiras e, nesse mercado, também é comum utilizar robôs para fazer a carga e a descarga. Ou seja, o robô coloca as peças para que a máquina faça a operação e, depois, retira essas peças prontas, sem ter a intervenção do ser humano. É uma das questões que tentamos resolver, porque a manipulação de chapas acaba tendo um risco de acidente de trabalho. São materiais cortantes. Assim, minimizamos — destaca Simeoni, head de Indústria 4.0 do Grupo Alltech.
Robôs vão tirar o emprego dos humanos?
Quem trabalha na área garante que a intenção não é que no futuro os robôs substituam completamente a função dos homens. Trata-se de um processo de evolução nos meios de trabalho, como sempre ocorreu ao longo da história, e que as empresas e os próprios trabalhadores terão que se adaptar.
— Ao contrário do que a grande maioria das pessoas pensa, quando se automatiza os processos geramos oportunidades em outras áreas. Com a automatização e robotização, aumenta-se o volume da produção. Produzindo mais, geramos mais oportunidades em áreas que dão suporte à área produtiva: logística, vendas, expedição, almoxarifado… Além disso, algumas atividades na indústria são extremamente operacionais e, por falta de profissionais na área, a robotização vem cada vez mais forte para agilizar os processos auxiliando no aumento da produtividade — defende o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Paulo Spanholi.
— Um exemplo que eu gosto de dar é sobre fazer concreto. Para fazer a construção de um prédio, eu iria precisar de várias pessoas fazendo a massa manualmente. Uma coisa muito antiga! Aí eu pego um caminhão betoneira que, pelos meus cálculos, realiza o trabalho de cerca de 60 seres humanos. Então, essa questão de emprego é uma modificação da utilização do ser humano. Cada vez mais o braçal começa a ser reduzido — acrescenta o diretor de operações robóticas da empresa Sumig, Fabio Tiburi.
Contudo, o Brasil ainda tem muito a evoluir quando o assunto é robôs atuando diretamente nos chãos de fábrica. Uma pesquisa da Federação Internacional de Robótica (IFR – sigla em Inglês), divulgada no ano passado, mostra que os cinco principais mercados para robôs industriais, em nível mundial, são China, Japão, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha. O IFR estima que sejam apenas 10 robôs para cada 10 mil trabalhadores em solo brasileiro — em termos de comparação, na China, ainda conforme a IFR, são estimados 246 robôs para este mesmo número de funcionários.
Na Serra, o Simecs diz não ter um número exato de empresas que tenham um ou mais processos automatizados, mas considera que a evolução é crescente neste sentido.
— É visível que cada vez mais as empresas estão investindo em automação. É uma tendência cada vez maior em nosso setor. Porém, cada empresa deve avaliar a viabilidade para automatizar seus processos, já que, em alguns casos, ainda há um alto custo para implantação, o que não torna viável o investimento. É fundamental fazer uma avaliação profunda dos processos produtivos, antes mesmo de pensar na robotização— pondera o presidente do sindicato.
Aulas práticas preparam para o mercado
Dados do Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025 — pesquisa realizada pelo Observatório Nacional da Indústria e divulgada em maio deste ano — mostram que até 2025 o Rio Grande do Sul precisará qualificar 758 mil pessoas em ocupações industriais. Destas, 149 mil em formação inicial e 609 mil (80%) em formação continuada, para trabalhadores que devem se atualizar. Desta forma, quem não investir em capacitação e atualização ficará para trás ou terá, ao menos, certa dificuldade de se posicionar no mercado de trabalho.
Por outro lado, o estudo aponta um cenário animador para quem está buscando novos conhecimentos em áreas que envolvam tecnologia e robotização. Conforme o mapa, até 2025, as vagas de trabalho nas áreas de Automação e Mecatrônica devem crescer 46% no país. É preciso acrescentar que, de acordo com o Senai, os técnicos em mecatrônica podem projetar, construir e reparar equipamentos automatizados, além de programar aparelhos e sistemas autômatos e robóticos. O salário pode alcançar R$ 4,6 mil — contudo, a remuneração varia entre as regiões do país.
Em Caxias do Sul, o curso é oferecido no Instituto Senai de Mecatrônica, no bairro Cruzeiro. A formação dura dois anos e as aulas de robótica ocorrem no quarto e último semestre. Na sala, os alunos têm à disposição três robôs para aulas práticas, duas vezes por semana.
— As áreas de atuação na indústria são as mais diversas. O profissional pode trabalhar desde a parte de programação de robótica, da integração com o robô com o equipamento industrial, seja ele qual for. Pode ser um robô trabalhando com solda, com manipulação e ainda alguma coisa com robótica colaborativa — explica o instrutor de Nível Técnico do Senai, Tiago Edgar Perini.
O perfil de quem procura pelo curso ainda é predominantemente masculino, embora Perin destaque que as mulheres estão se inserindo mais neste mercado, representando cerca de 10% nas turmas. Outro detalhe é a mudança de público conforme o turno do curso: pela tarde, geralmente, são mais jovens, que estão ainda no Ensino Médio. É o caso do estudante Guilherme dos Santos, 17 anos. Ele conta que escolheu pelo curso de Mecatrônica por “trabalhar com o futuro”:
— Isso é muito interessante, tanto a parte de programação, quanto de robótica, é muito divertido para a gente. Não é só o nível técnico, como é um nível técnico prazeroso. E a Mecatrônica é muito abrangente — comenta ele que pretende, futuramente, empreender na área de Indústria 4.0.
O instrutor do Senai ainda destaca que, para além de um profissional capacitado, é preciso que as empresas tenham processos adequados para receberem os robôs. É um dos cenários deficitários que ele observa, inclusive, aqui na região.
— Primeiro, antes de gastar com uma célula, é preciso ter todo o processo anterior ao robô confiável dentro da empresa. Não adianta eu ter problema na dobradeira, na usinagem… E achar que o robô vai consertar para mim. Ele vai dar uma melhorada, mas não vai fazer milagre — salienta Perini.
Fonte: Como a robótica movimenta negócios e integra processos em indústrias